sábado, 30 de março de 2013

VII TEOLOGIA & MÍTICA CRSTÃ - 1. RESSURREIÇÃO ESPIRITUAL, por arturjotaef.



Obviamente que a questão do escândalo da ressurreição de Jesus só se coloca porque o milagre da ressurreição só seria uma alteração absoluta à ordem natural das coisas e à única lei absoluta que é a morte (de acordo com princípio inexorável da entropia termodinâmica) se tivesse havido morte efectiva e não morte aparente como desde muito cedo foi uma das explicações mais sensatas para o que de facto aconteceu ao Jesus crucificado dos cristãos!

Eles (os judeus) disseram com ostentação "Nós matamos Jesus o messias, o filho de Maria", mas eles não o mataram, nem o crucificaram, mas tal foi feito para que assim lhes parecesse como tal…porque seguramente eles não o mataram. -- Quarta sura do Alcorão, Surat un Nisaa:157[1].

"And because of their saying (in boast), ‘We killed Messiah ‘Eesa (Jesus), son of Maryam (Mary), the Messenger of Allah,’ - but they killed him not, nor crucified him, but it appeared so to them the resemblance of ‘Eesa (Jesus) was put over another man (and they killed that man)], and those who differ therein are full of doubts. They have no (certain) knowledge, they follow nothing but conjecture. For surely; they killed him not [i.e. ‘Eesa (Jesus), son of Maryam (Mary)]: But Allah raised him [‘Eesa (Jesus)] up (with his body and soul) unto Himself (and he is in the heavens). And Allah is Ever All Powerful, All Wise." [al-Nisaa’ 4:157-158] [2].

Shemira (hebraico: שמירה, lit. "vigiando" ou "vigiando") refere-se ao ritual religioso judaico de vigiar o corpo de uma pessoa falecida desde o momento da morte até o enterro. Um guardião masculino é chamado shomer (שומר) e uma guardiã feminina é um shomeret (שומרת). Shomrim (plural, שומרים) são pessoas que realizam shemira. Em Israel, shemira se refere a todas as formas de serviço de guarda, incluindo serviço de guarda militar. Um homem ou mulher armado nomeado para patrulhar um terreno ou campus por motivos de segurança seria chamado de shomer ou shomeret. Fora de Israel, a palavra é usada quase exclusivamente no que diz respeito ao ritual religioso de guardar o corpo do falecido.

Historicamente, shemira era uma forma de dever de guarda, para impedir a profanação do corpo antes do enterro. Os guardas do corpo, "guardiões dos mortos", realizam uma tarefa ingrata - literalmente. [[3]] No Talmude, em b. Berachot 18a e Shabbat 151b, o objectivo de shemira era proteger-se dos roedores, pois os roedores temem os vivos e não os mortos, uma ideia derivada de Gênesis 9: 2 que coloca o medo do homem em outras criaturas vivas. [[4]] Shemira é praticada por respeito aos mortos, pois eles não devem ser abandonados antes de sua chegada em seu novo "lar" debaixo do chão. Isso serve também como um conforto para os entes queridos sobreviventes.

Segundo a tradição midrashic, a alma paira sobre o corpo por três (Gênesis Rabbah 100: 7 e Leviticus Rabbah 18: 1) ou sete (Pirke de Rabbi Eliezer, capítulo 34) dias após a morte. [[5]] A alma humana está um pouco perdida e confusa entre a morte e antes do enterro, e permanece na vizinhança geral do corpo, até que o corpo seja sepultado.

Do shemira judaico ficou-nos a tradição do velório mas não o conhecimento de que a morte aparente poderia manifestar-se com coma profundo por 3 ou sete dias e portanto a possibilidade do enterro de mortos vivos que tanto aterrorizou a acultura popular vitoriana ao ponto de se terem promulgado legislações em todo o mundo ocidental com o fim de evitar o enterro antes de 24 horas a não ser em condições extremas de contagiosidade ou de evidente e adiantado estado de putrefacção. Mas, de acordo com a crença judaica, a alma da pessoa morta permanece perto de seu corpo por três dias, no final do qual parte e a corrupção se instala. Portanto, três dias e três noites foram fixados para a sua permanência de Jesus Cristo no inferno, e uma comparação foi feita com o profeta Jonas.

Obviamente que a ressurreição espiritual é a única compatível com a judaísmo, tanto farisaico quanto essénico, que, contra o parecer materialista e conformista dos saduceus, aceitavam a ressurreição dos mortos mas apenas em espírito!

A maneira de viver dos fariseus não é fácil nem cheia de delícias: é simples (…) Eles julgam que as almas são imortais, julgadas em um outro mundo e recompensadas ou castigadas segundo foram neste — virtuosas ou viciosas — e que umas são eternamente retidas prisioneiras nessa outra vida, e outras retornam a esta.

(…) A opinião dos saduceus é que as almas morrem com os corpos e que a única coisa que somos obrigados a fazer é observar a lei, sendo um ato de virtude não tentar exceder em sabedoria os que a ensinam. (…)

Os essênios, a terceira seita, atribuem e entregam todas as coisas, sem exceção, à providência de Deus. Crêem que as almas são imortais, acham que se deve fazer todo o possível para praticar a justiça e se contentam em enviar as suas ofertas ao Templo, sem oferecer lá os sacrifícios, porque o fazem em particular, com cerimónias ainda maiores. -- Flávio Josefo, HISTÓRIA dos HEBREUS de Abraão à queda de Jerusalém. Traduzido por Vicente Pedroso.

Assim, entre o delírio da ressurreição física dos cristãos de tradição pagã e a cepticismo materialista dos sadoceus os cristãos primitivos seguiriam a opinião dos fariseus, a começar por S. Pedro.

“Então o levaram a uma reunião do Areópago, onde lhe perguntaram: ‘Podemos saber que novo ensino é esse que você está anunciando? Você está nos apresentando algumas ideias estranhas, e queremos saber o que elas significam” (…) “Quando ouviram sobre a ressurreição dos mortos, alguns deles zombaram, e outros disseram: ‘A esse respeito nós o ouviremos outra vez’. Com isso, Paulo retirou-se do meio deles’” (Atos 17)

Obviamente que Paulo estava a falar com filósofos gregos onde haveria muitos cépticos que nem na alma acreditavam. No entanto, o sentimento pagão comum ainda era o das religiões dos mistérios que acreditavam na morte e ressurreição de Atis, Adónis e Osíris entre outros deuses pascais desse tempo.

18Cristo também sofreu. Ele morreu uma vez pelos pecados, o justo pelos pecadores, para levar-nos a Deus. Foi morto fisicamente e tornou a viver pelo Espírito.

19E foi no Espírito que visitou e pregou aos espíritos em prisão, 20os daqueles que já antes recusaram obedecer a Deus, apesar da paciência com que Deus esperava, enquanto Noé construia a arca, na qual apenas oito pessoas se salvaram da morte no dilúvio 21E isto é uma figura do baptismo, que agora vos salva pelo poder da ressurreição de Jesus Cristo. -- 1 Pedro 3

Obviamente que esta primeira epístola de S. Pedro seria considerada herética senão tivesse sido subtilmente manipulada!

Os últimos doze versículos do Evangelho de S. Marcos não se achavam nos manuscritos originais mais antigos pelo que nos dispensamos de comentar o que pensaria Marcos da realidade física de Jesus ressurrecto. O Evangelho de Mateus que segue de perto o de Marcos parece acontecer algo idêntico, ou seja, haver uma interpolação a partir do momento idêntico do texto omisso de Marcos que por sinal tem alguma semelhança que a versão longa e espúria de Marcos. Ainda assim é reveladora de alguma informação que o torna parecido com o evangelho de Mateus segundo os ebionitas e segundo os hebreus, que obviamente não acreditavam em idolatrias do tipo da ressurreição da carne.

Mateus 28: 16 E os onze discípulos partiram para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes tinha designado. 17 E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram.

Lucas, o gentio Paulino, como sempre divaga sobre o que não sabe e tropeça na verdade! Fala sobre os discípulos de Emaus que noutro ponto se suspeitou serem duas mulheres herodianas, Cleópatra de Jerusalém e Maria Salomé que noutros textos perdidos andariam nomeadas porque, por motivos políticos relacionados com herança apostólica, a ressurreição foi considerada como um mito fundador do cristianismo desde muito cedo.

Lucas 24: 33 E, na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém e acharam congregados os onze e os que estavam com eles, 34 os quais diziam: Ressuscitou, verdadeiramente, o Senhor e já apareceu a Simão.

Ora, a menos que se tratasse de outro Simão que não Pedro, até aí o que Lucas tinha escrito dizia o contrário.

Lucas 24: 12 Pedro, porém, levantando-se, correu ao sepulcro e, abaixando-se, viu só os lenços ali postos; e retirou-se, admirando consigo aquele caso.

O resto do texto de Lucas seria quase gnóstico se não tivesse sido eventualmente manuseado.

Lucas 24: 36 E, falando eles dessas coisas, o mesmo Jesus se apresentou no meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco. 37 E eles, espantados e atemorizados, pensavam que viam algum espírito. 38 E ele lhes disse: Por que estais perturbados, e por que sobem tais pensamentos ao vosso coração? 39 Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; tocai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. 40 E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés. 41 E, não o crendo eles ainda por causa da alegria e estando maravilhados, disse-lhes: Tendes aqui alguma coisa que comer? 42 Então, eles apresentaram-lhe parte de um peixe assado e um favo de mel, 43 o que ele tomou e comeu diante deles.

Eles não acreditaram nem ninguém de bom senso acreditaria! O problema é que também nenhum deles se atreveu a perguntar a Jesus se de facto ele tinha efectivamente morrido ou apenas entrado em coma durante menos de três dias!

 

1 A RESSURREIÇÃO TRANSCENDENTAL DE S. PAULO.

No entanto, S. Paulo, que fez do centro da fé cristã a ressurreição de Jesus Cristo, foi um dos judeus que se deixou levar pelas aparências de que os milagres podem acontecer porque têm que acontecer para que a utopia tenha sentido. E a miragem do paraíso perdido dos deuses pascais era uma tradição muito antiga que teria no culto fenício de Adónis uma grande simpatia popular mesmo entre os judeus sobretudo nos meios rurais da Galileia, de há muito habituados à mística da “terra prometida” que a política do tempo tornava cada vez mais instável, distante e utópica.


Não podemos retrospectivamente provar o triunfo de Jesus sobre a morte mas nada no plano meramente espiritual nos impede de aceitar a perspectiva paulina de que a ressurreição de Jesus foi formalmente metafórica e espiritual, ou seja, transcendental, numa perspectiva moderna e kantiana. Nos antípodas duma concepção materialista o pressuposto da ressurreição espiritual de Jesus Cristo, baseia-se também no senso comum a quem repugna a ideia desta coisa nunca vista: um morto poder ressuscitar em carne e osso!

Se Jesus morreu de facto então teria ressuscitado como um fantasma, ou seja, na acepção dos modernos espíritas, como materialização ectoplásmica dum espírito que é o mesmo que um medonho fantasma em linguagem comum. Esta era a acepção dos gnósticos e foi a que, no seio dum messianismo exclusivamente espiritual, mais depressa levou à divinização de Jesus Cristo.

S. Paulo frisava bem que a carne era corruptível e, como tal não poderia entrar no reino céu sem se tornar incorrupta.

O mito da “carne incorrupta” era uma espécie de sonho empirista caro aos povos arcaicos porque antes da descoberta do frigorífico e dos processos modernos da conservação alimentar o segredo da sua posse marcaria a diferença entre a vida e a morte em períodos de carestia alimentar. Como é de regra em todos os processos míticos, a importância social do sonho gera a utopia e esta o mito que no caso da “carne incorrupta” levou à descoberta dum conjunto de técnicas artesanais de conservação da carne que passavam pela utilização de conservantes naturais como a salmoura, a carne em vinha d´alhos, e sobretudo a desidratação pela secagem ao sol, em fumeiro ou pelo sal que acabaria no embalsamamento Egípcio!

Deixando de lado a referência a outros processos naturais de conservação das virtudes alimentares de outros alimentos que passaram pela aquisição da mestria em diversos processos de fermentação natural importa referir que o mito da “carne incorrupta” se deve ter tornado particularmente fascinante na exacta proporção em que a experiência da corrupção dos cadáveres humanos terá sido também traumatizante tanto perante os corpos mortos dos parentes e amigos como perante a perspectiva da própria morte! A especulação em torno dos processos empíricos de controlo da corrupção da carne alimentar terá levado no Egipto à aplicação de algumas destas técnicas no embalsamamento e mumificação dos animais e humanos divinizados criando-se deste modo a mitologia da “carne incorrupta”. Primeiro como divina, porque reservada aos deuses encarnados, e mais tarde santa porque já disponível aos eleitos a aquém Deus concedia o privilégio da santificação canónica mas que no conceito popular da incorruptibilidade se teria que manifestar em processos naturais de mumificação! Claro que a relação entre a mumificação egípcia e a “carne incorrupta” paulina vai a distância entre a superstição da literalidade e a sofisticação sublimada das utópicas ideias gerais!

De qualquer modo a ideia que S. Paulo fazia da ressurreição de Jesus era igual à dos fariseus ou seja apenas segundo o espírito:

“Então Paulo, sabendo que alguns deles eram saduceus e os outros fariseus, bradou no Sinédrio: ‘Irmãos, sou fariseu, filho de fariseu. Estou sendo julgado por causa da minha esperança na ressurreição dos mortos!’ Dizendo isso, surgiu uma violenta discussão entre os fariseus e os saduceus, e a assembleia ficou dividida (os saduceus dizem que não há ressurreição nem anjos nem espíritos, mas os fariseus admitem todas essas coisas). Houve um grande alvoroço, e alguns dos mestres da lei que eram fariseus se levantaram e começaram a discutir intensamente, dizendo: ‘Não encontramos nada de errado neste homem. Quem sabe se algum espírito ou anjo falou com ele?’ A discussão tornou-se tão violenta que o comandante teve medo que Paulo fosse despedaçado por eles. Então ordenou que as tropas descessem e o retirassem à força do meio deles, levando-o para a fortaleza” (Atos 23:6-10)

Nos termos do próprio Paulo verificamos que nunca se chega verdadeiramente a comprometer com uma ressurreição física explícita.

E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vocês, aquele que ressuscitou a Cristo dentre os mortos também dará vida a seus corpos mortais, por meio do seu Espírito, que habita em vocês” (Romanos 8:11)

O problema é que a semântica do tempo de Jesus era ambígua e o espiritualismo confundia-se com o vitalismo! S. Paulo acabaria também ambíguo e crente numa ressurreição de Cristo que era meio espiritual meio física ou seja de uma nova entidade sobrenatural que no caso de Jesus deixava de ser humana para ser divina como Cristo.

Por alguma razão o credo apostólico foi substituído pelo credo de Niceia porque não acreditam ambos na mesma ressurreição!

Credo apostólico: Credo in Spiritum Sanctum, (…), carnis resurrectionem, et vitam aeternam.

Credo de Niceia: Et exspecto resurrectionem mortuorum, Et vitam ventúri sæculi.

De facto, ressurreição da carne não é exactamente o mesmo que ressurreição dos mortos que os fariseus resumiam a crença na ressurreição da alma!


2 A RESSURREIÇÃO MÍSTICA DOS GNÓSTICOS.

21. Aqueles que dizem: “O Senhor primeiro morreu e depois ressuscitou” se equivocam. Ele primeiro ressuscitou e depois morreu. Se alguém antes não procura a ressurreição, não morrerá. Assim como Deus vive, aquele estaria já morto.Evangelho de Filipe.

A lógica estranha e hermética deste raciocínio de Filipe só é compreensível se aceitarmos que o conceito místico da ressurreição decorria dos míticos cultos pascais que tinham como suporte metafórico tanto o nascer quotidiano do sol como o seu renascimento anual! Na verdade, todo o evangelho de Filipe parece ser tão-somente um conjunto de homilias utilizadas em mistérios baptismais e / ou em ágapes nupciais de crisma pascal! É nesta acepção que se entende o termo “levantar” como sendo uma situação tal que terá naturalmente que preceder a morte final a qual, esta sim, já não permite então qualquer tipo de renascimento! Neste aspecto, Filipe parece ir de encontro ao senso comum encarando a “morte” como assunto irreversível para a materialidade deste mundo! Como corolário, Filipe parece negar a possibilidade da morte de Jesus na cruz o que se compreende aceitando que, enquanto gnóstico, estaria a par dos segredos essénios relativos aos mistérios ocultos relacionados com as movimentações dos discípulos secretos de Jesus que acompanharam José de Arimateia depois da deposição de Jesus! Além do mais, para um gnóstico, Jesus Cristo enquanto Deus só por absurdo poderia morrer!

No entanto, Filipe perde a clareza quando postula como premissa que quem não ressuscitar primeiro não morrerá porque então, das duas, uma: ou todos os mortais teriam fatalmente que ressuscitar antes de morrerem ou os deuses só são imortais enquanto não tiverem ressuscitado o que implicaria, como corolário necessário, a impossibilidade de Jesus Cristo ressuscitado poder ser Deus! Ora, a verdade é que este paradoxo aparentemente insanável entre a razão-pratica e a fé gnóstica de Filipe decorre do uso transfigurado da própria linguagem comum. Ou seja, os cristãos, como todos os revolucionários apaixonados subvertem e reinventam a linguagem com vista à criação duma “boa nova” absolutamente inovadora à luz da qual promovem a alteração da realidade vigente que entendem tão intolerável como se o tivera sido sempre! Na verdade, assim parece ser a lógica subversiva de Filipe porque encara a ressurreição não como uma passagem objectiva da morte efectiva para a vida mas acima de tudo, como algo de transcendente que nada tem a ver com a morte mas apenas com um renascimento místico dos crentes em corpo e alma por intermédio da adesão ao cristianismo.

É certo que o facto do evangelho de Filipe ter chegado até nós incompleto nos deixa na impossibilidade de esclarecer de forma cabal os paradoxos do pensamento filipino. No entanto, a frase incompleta assim como Deus vive, ele iria ...morrer” implica já a confusão semântica entre vida e existência o que explica em parte a razão pela qual os espiritualistas (e, sobretudo e naturalmente, os espíritas!) são sempre vitalistas.

23. Alguns temem ressuscitar nus. Por isso querem ressuscitar na cama. Esses não entendem que aqueles que vestem a carne são aqueles que estão nus. Quem for despojado, de modo a ficar despido, é aquele que não está nu. Carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus. Qual é a carne que não herdará? A que vestimos. Qual é, em troca, aquela que herdará? A carne de Jesus com seu sangue. Por isso, ele disse: “Quem não come minha carne e não bebe meu sangue não tem vida em si”. Que coisa é ela? Sua carne é o Logos e seu sangue é o Espírito Santo. Quem as recebeu tem comida, bebida e vestes. Evangelho de Filipe.

Em boa verdade, uma das principais razões pelas quais os gnósticos se tornaram indesejáveis para o senso comum, que tem acalentado o processo evolutivo do cristianismo, reside precisamente na falta de clareza dos seus escritos e na forma pouco cuidada com que a ânsia de altos voos metafísicos os faziam perder-se em aventuras especulativas de lógica duvidosa. Se o dogmatismo ortodoxo configura pontualmente um ou outro salto mortal do pensamento, a confusa prolixidade especulativa dos gnósticos é quase um risco constante de precipitação nos abismos do absurdo. E esta obscuridade continua em versículos como o seguinte:

2. O escravo busca apenas ser livre. Elo não busca a substância do seu patrão. O filho não só busca a liberdade pelo fato de ser filho, como também reclama a herança do pai.

3. Quem herda aquilo que está morto (dos mortos), ele próprio está morto e é herdeiro de coisas mortas. Mas, quem herda aquilo que é vivo (de quem está vivo), ele também está vivo e é herdeiro tanto do que está vivo como do que está morto. Os mortos nada herdam. Como poderia herdar um morto? Se um morto herdasse aquilo que está vivo, não morreria; ao contrário, viveria. Evangelho de Filipe.

Esta mistura de verdades óbvias e simples do senso comum com afirmações sibilinas tão paradoxais quanto contraditórias tem feito, ao longo dos séculos, a fortuna de muitos pregadores e vendilhões do templo bem como as delícias de quem gosta de se enganar com sombras chinesas e de ser apanhado nas redes engenhosas da sofística! Esta era, quase seguramente, a retórica obscura e infalível que lavava as almas dos neófitos dos mistérios antigos tal como afogava de piedade os místicos cristãos e ainda consegue lavar os cérebros dos que frequentam os cursilhos do catolicismo moderno ou se preparam para guerras santas da jiade islâmica…ou outras.

Um eixo doutrinário específico, constituído pelo anúncio jubiloso do Evangelho, através de um método próprio (querigmático-vivencial) facilitaria a conversão entusiasmada de muitos jovens e a sua inscrição nas fileiras da JACE. A conquista do mundo para Cristo era sua bandeira. Esse foi o objectivo específico daqueles primeiros cursilhos denominados: "Cursilhos de Conquista", em 1952-53. (...) O método característico do Movimento surgiu do seu cunho vivencial, testemunhal, simples, honesto e transparente (???), ainda que o entusiasmo daí resultante pudesse tocar, de preferência, na emotividade das pessoas, o que não deixava de ser sumamente oportuno[6].

Obviamente que Filipe divaga sobre a duplicidade dos conceitos postulando como não viventes os que não foram ressuscitados com Cristo pelo pela “água viva” do baptismo, que confere a vida eterna a quem a bebe, como dizia Jesus à Samaritana e repetiu na ultima ceia aos seus discípulos dizendo "Aquele que não come a minha carne e bebe o meu sangue não tem vida em si" (Jo 6:53)!

4. Um pagão não morre. Este, de fato, jamais viveu para poder morrer. Porém, aquele que acreditou na Verdade, este encontrou a vida e está em perigo de morrer. De fato, ele vive desde o dia em que o Cristo veio. Evangelho de Filipe.

Mas a falta de rigor silogístico faz com que Filipe, ao abusar dos recursos linguísticos, crie paradoxos tais como admitir como corolário que os pagãos não morrem porque nunca viveram enquanto os cristãos correm o risco de morrer porque encontraram a vida! Dito de outro modo, a subversão da linguagem envolve uma tal pirueta retórica que recoloca os crentes na posição de detentores exclusivos da normalidade, própria do senso comum, onde deveriam permanecer todos os descendentes de Adão, sujeitos à lei natural da morte pelo “pecado original”, mas da qual Filipe excluiu arbitrariamente os não crentes!

15. Antes de que Cristo chegasse, não havia pão no mundo. Como no paraíso, o lugar onde Adão morava, também o mundo possuía muitas árvores que serviam como alimento aos animais. O mundo não tinha grão para alimentar o homem. O homem nutria-se como os animais. Mas, quando chegou Cristo, o homem perfeito, ele trouxe pão do céu para que o homem se alimentasse de alimento humano. (...)

73. Antes de Cristo muitos haviam saído. E não conseguiam mais entrar no lugar de onde haviam saído, e foram para um lugar de onde não conseguiam mais sair. Então veio o Cristo. Ele retirou aqueles que entraram e pôs para dentro os que saíram.

74. Quando Eva ainda estava em Adão a morte não existia. Quando ela se separou dele a morte passou a existir. Se (ela) entrar outra vez (e) ele (a) receber em si, a morte deixará de existir. (...)

28. Os filhos do homem celeste são mais numerosos do que aqueles do homem terreno. Se os filhos de Adão são numerosos, sendo mortais, quanto mais os filhos do Homem Perfeito, os quais não morrem e são gerados continuamente.

29. O pai produz um filho e o filho não é capaz de produzir um filho. Quem foi gerado não pode gerar! O filho, de todas as maneiras, ainda que não produza filhos, faz irmãos. Evangelho de Filipe.

A sensação com que se fica é que Sócrates foi um ateu apenas por ter combatido a crendice e a má-fé dos sofistas que parecem ter sido os mestres da gnose e, duma forma geral, de todos os que têm espírito de beatos ou de fanáticos! E a subversão da linguagem continua atingindo o ponto máximo da perversão da própria realidade ao ponto de Filipe ousar dizer:

4. (...) De fato, ele vive desde o dia em que o Cristo veio.

5. O mundo está criado; embelezadas estão as cidades; aqueles que estavam morto se foram. Evangelho de Filipe.

Com este remate de Filipe ficamos sem saber onde estava o Deus da criação iniciada no Géneses e a suspeitar que os mortos seriam os justos do velho testamento que teriam deixado o limbo com a ressurreição de Cristo, os vivos seriam os cristão e, entre estes, existiria neste mundo o inferno da inexistência onde ficariam os pagãos como entes fictícios, nem mortos, nem vivos! No entanto, parece que o esclarecimento dos pressupostos da linguagem hermética de Filipe se encontram a pairar nos versículos seguintes:

65. Ou se está neste mundo, na ressurreição ou no local intermediário. Deus me livre de me encontrar lá! Neste mundo existe o bem e o mal. As coisas boas do mundo não são boas, e as coisas más não são más. Porém, depois deste mundo, existe mal que realmente é mal - o que é chamado de "o meio," o lugar intermediário. É a morte. Enquanto se está neste mundo é apropriado buscar-se a ressurreição, para que, quando venhamos a despir-nos da carne possamos encontrar o descanso e não caminhar no meio. Porque muitos se perdem no caminho. É melhor sair do mundo antes de pecar.

66. Alguns nem querem nem podem fazer o mal; outros querem mas não o fazem; são seus desejos que os torna transgressores mesmo se não fazem nada. Falta rectidão àqueles que nada querem e àqueles que fazem o mal. – Evangelho de Filipe.

Neste caso, o limbo estaria à espera dos cristãos que morreriam em pecado? Mesmo assim, como entender a soma de paradoxos que envolvem afirmações absurdas como a seguinte:?

Se aquele que está morto herda o que é vivo ele não morrerá, mas o que está morto viverá ainda mais. – Evangelho de Filipe.

Obviamente que com este género de subversão da linguagem não é possível acompanhar a fé com a razão!

O assunto da ressurreição era intelectualmente ingrato tanto para a tradição grega do Hades como para o racionalíssimo helénico e seria fonte de graves dissensões religiosas entre as diversas facções de judeus.

A doutrina da ressurreição dos mortos foi uma questão altamente debatida no primeiro século, quando as duas seitas proeminentes dos judeus eram os fariseus, que acreditavam em uma ressurreição corporal, e os saduceus, que não. O rabino Gamaliel expôs os argumentos farisaicos citando fontes que seus oponentes podiam respeitar. Gamaliel citou a Torá: "E o Senhor disse a Moisés:" Eis que dormirás com teus pais; e este povo despertará".

Assim, as posições gnósticas e espiritualistas foram sempre contraditórias e confusas e, por isso, apenas aceitáveis por um número restrito de iniciados no submundo místico dos mistérios e uma das razões que tornou a sua aceitação popular impossível e determinou o seu fim como heresia.

Recrimino os outros que dizem que (a carne) não ressuscitará, pois uns e outros estão errados. Tu que dizes que a carne não ressurgirá, diz-me, então, o que ressuscitará para que te possamos aplaudir. Falas do Espírito na carne, que é também esta luz na carne. (Porém) isto também é matéria que se encontra na carne, pois tudo o que disseres, não estará fora da carne. É preciso ressurgir nesta carne, já que tudo existe nela. Neste mundo, aqueles que usam roupas valem mais do que as vestes. No Reino dos Céus, as vestes valem mais do que os que as usam. (...) Há os que têm medo de ressurgir nus. Por isto querem ressurgir na carne. Não sabem que são aqueles que vestem a (carne) que estão nus. (São) aqueles que (receiam) despir-se que não estão nus. "Nem a carne (nem o sangue) herdarão o Reino de (Deus)." (1 Co 15:50). – Evangelho de Filipe.

A eficácia da retórica religiosa, tal como a da demagogia política costuma ser inversamente proporcional a sua razoabilidade, tecida de antinomias paradoxais. Os gnósticos, então, eram mestres do exagero hiperbólico e da magia hipnótica da verborreia repetitiva ad nausea e ao nonsense!

O que, então, é a ressurreição? É sempre a divulgação daqueles que ressuscitaram. Pois se você se lembra de ter lido no Evangelho que Elias apareceu e Moisés com ele, não pense que a ressurreição é uma ilusão. Não é ilusão, mas é verdade! De fato, é mais apropriado dizer que o mundo é uma ilusão, e não a ressurreição que surgiu por meio de nosso Senhor, o Salvador, Jesus Cristo.

Mas o que estou dizendo agora? Aqueles que estão vivos morrerão. Como eles vivem em uma ilusão? Os ricos tornaram-se pobres e os reis foram derrotados. Tudo está propenso a mudar. O mundo é uma ilusão! - com efeito, eu não faço trato com as coisas em excesso!

Mas a ressurreição não tem esse carácter supracitado, pois é a verdade que permanece firme. É a revelação do que é e da transformação das coisas e uma transição para a novidade. Pois a imperecibilidade desce sobre o perecível; a luz desce sobre a escuridão, engolindo-a; e o Pleroma preenche a deficiência. Estes são os símbolos e as imagens da ressurreição. Ele é quem faz o bem.

Portanto, não pensem em parte, ó Rheginos, nem vivam em conformidade com esta carne por uma questão de unanimidade, mas fujam das divisões e dos grilhões, e vocês já têm a ressurreição. Pois se aquele que morrer sabe de si mesmo que vai morrer - mesmo que passe muitos anos nesta vida, ele é levado a isso - por que não se considera como ressuscitado e (já) trazido para isso? Se você tem a ressurreição, mas continua como se fosse morrer - e, ainda assim, alguém sabe que ele morreu - por que, então, eu ignoro sua falta de exercício? É apropriado que cada um pratique de várias maneiras, e ele será libertado deste Elemento para que ele não caia em erro, mas ele mesmo receberá novamente o que a princípio era.

Essas coisas recebi da generosidade do meu Senhor Jesus Cristo. Eu ensinei a você e a seus irmãos, meus filhos, considerando-os, enquanto não omiti nenhuma das coisas adequadas para fortalecê-lo. Mas se há uma coisa escrita que é obscura na minha exposição da Palavra, eu a interpretarei para você (pl.) Quando você (pl.) Perguntar. Mas agora, não tenha ciúmes de quem está no seu número quando ele é capaz de ajudar.

Muitos estão olhando para isso que eu escrevi para você. A estes eu digo: Paz (seja) entre eles e graça. Saúdo-vos e aos que te amam (pl.) No amor fraterno. -- O Tratado da Ressurreição, Biblioteca de Nag Hammadi, Traduzido por Malcolm L. Peel.


 

A VIDA PARA ALÉM DA MORTE

Obviamente que estamos já a pressupor a crença prévia na sobrevivência do espírito enquanto consciência de si a permanecer para além da morte! Porém, se hoje temos o bom costume de pedir argumentos na falta de provas evidentes para acreditar no que não vemos, os antigos precisavam de muito pouco para passarem da fantasia à ilusão e, com um pouco de ansiedade social, da paranóia ao delírio e da alucinação à fé na realidade invisível.

A maior das ansiedades resultaria do facto de o animal humano ser o que mais depende da vida familiar e social. A perda por morte súbita, quase sempre violenta, dos entes mais queridos gerou os mesmo sentimentos de luto que ainda hoje gera, quiçá com mais força e violência do que hoje porque quanto mais primitivos e pequenos eram os grupos humanos mais fortes e interdependentes eram os laços que os uniam. Mas as capacidades psíquicas dos humanos primitivos eram potencialmente as mesmas que hoje temos e os processos de reacção às perdas afectivas e ao luto seriam idênticas, senão mais violentas, colectivamente vividas de forma irracional e descontrolada.

O Processo de Luto Normal : Qualquer ruptura emocional ou perda de laço afectivo geram respostas emocionais específicas, cuja natureza abarca várias manifestações. Estas respostas emocionais estão associadas ao trabalho de elaboração psicológica da perda e de adaptação à perda, conhecido por Processo de luto.

As respostas típicas de um processo de luto organizam-se em quatro fases:

Fase de choque e negação: surge imediatamente após a perda e tem duração média de 1 a 14 dias. Habitualmente a pessoa não acredita no sucedido, sentindo-se perdida, só e apática. Estão presentes sintomas fisiológicos como a diminuição do apetite, insónias, náuseas e sensação geral de desconforto.

Fase do desespero e expressão da dor: é notória cerca de duas semanas após a perda. A descrença em relação ao sucedido desaparece, cedendo lugar à consciência da morte ocorrida. Os sintomas depressivos acentuam-se, havendo a ausência de interesse pelas actividades vitais e a alteração dos padrões normais de comportamento. São frequentes as pensamentos e sonhos sobre a pessoa perdida. Sentimentos como a raiva e a culpabilização quer para si, quer para os outros. Habitualmente esta fase tem a duração de 6 a 8 meses.

Fase de resolução e reorganização: caracteriza-se pela recuperação do interesse pela vida, pelo trabalho e pelas relações pessoais.

Obviamente que este texto se refere a um luto moderno e civilizado onde se pressupõe a existência de suportes psicológicos familiares e sociais culturalmente adequados. Mas os homens primitivos pertenciam a grupos tão íntimos que todos acabavam por participar no luto que deste modo em vez de se amortecer ampliava sinergicamente até a irrupção crítica do delírio e da loucura colectiva. Se juntarmos a estes postulados meramente teóricos a realidade plausível das intoxicações por substâncias psico-modificadoras por acidentes alimentares ou xamanisticamente premeditadas temos um cenário completo para colocar as primeiras culturas humanas perante a evidência dos espíritos.

Todas as religiões nasceram com os cultos dos mortos! O culto dos mortos aparece nos primórdios da história da humanidade como primeira e primacial prova da humanização do homo sapiens a partir do testemunho arqueológico encontrado no lixo desta mesma actividade humana! Do culto dos mortos, inferido a partir da forma como o homem primitivo tratava os seus cadáveres têm, o senso comum e, por arrastamento sensato, o pensamento científico deduzido como corolário que “a crença na vida para além da morte” terá sido a primeira ideologia humana.

Esta correlação e tão óbvia que leva a afirmações tão desnecessárias como a seguinte:

Archaeologists have discovered artifacts that suggest the ancient Assyrians believed in an afterlife. The ancient Assyrians buried their dead with a few of their favorite possessions, like weapons, drinking cups, and other small personal items. The poor would dig a hole somewhere and bury their dead at home. The rich would build a room just for the burial. In both cases, an oil lamp was kept burning near or at the gravesite, perhaps to light the way between worlds, or perhaps in honor of the deceased.

Na verdade, as crenças assírias sobre a vida depois da morte não diferiam em nada das prevalentes em todo o antigo mundo semita com poucas variantes entre si.

Os Mortos habitavam o Kur depois que morte que era o mesmo que a morte. Não era um lugar de purificação ou condenação, mas simplesmente a prisão dos mortos. A única actividade nesta vida vazia após a morte era comer e beber e o único alimento era pó. Porém, pessoas de grau mais elevado traziam os seus bens para os sustentar, como também os criados para os servir. (…)

Os Hititas não deixaram em qualquer texto sobrevivente nenhuma evidência que descrevesse o destino de mortais comuns na vida após a morte ou o lugar do morto depois de vida. Porém, esperava-se que os reis e as rainhas desfrutassem uma existência depois de morte, mas não há nenhuma evidência que eles fizessem qualquer esforço para influenciar este estado com orações ou oferendas. No entanto, mitos semelhantes de fertilidade, como o mito Hitita de Telepinus, que ele desce não a um submundo simbólico da natureza dormente; pelo contrário apenas se esconde dele. (…)

Mot, o deus Morte, presidia ao reino do submundo dos Canaanitas — um lugar húmido, escuro e desagradável, como uma sepultura. A entrada era pelo território da Morte, o deserto estéril e quente. Não há nenhuma evidência para indicar que o destino de mortais depois que morte fosse qualquer coisa diferente de cessação da vida. O submundo dos Canaanite era o equivalente de morte, e morte era o destino de todos os mortais. Porém, no mito Canaanite de fertilidade incluia a descida de Baal ao o inferno onde ele confrontou a Morte. -- About Ancient Near Eastern Hell Bay Eileen Gadiner.

Esta concepção de vida além-túmulo dos emitas, embora um pouco confusa, pressupunha a crença de que os mortos iam para junto de Nergal, o deus que guardava um reino de onde não se poderia voltar. A morte era a eterna prisão das almas. E havia uma razão de lógica no plano da economia mítica e da boa ordem cósmica para que assim fosse. Uma vez aceite a existência das almas havia que definir um plano de clivagem intransponível entre o mundo dos mortos e o dos vivos sem o qual a ordem cósmica ficaria em perigo tal como na mitologia relativista moderna as viagens no tempo uma vez postuladas não podem permitir qualquer alteração no decurso natural dos acontecimentos. Por outro lado, a civilização suméria revela-se-nos como tendo sido prática e realista típica duma comunidade que tinha acabado de conseguir uma razoável adaptação ecológica às condições e meios disponíveis e estabilizado a chamada revolução agrícola do neolítico.

Segundo a visão comum entre os historiadores a religião da Suméria estava principalmente orientada para as questões deste mundo. Os deuses não tinham neste um papel diferente da ordem natural, e nenhuma recompensa ou castigo seria dada aos seres humanos depois de morte porque com ela os seres humanos se tornavam apenas em sombras numa casa de pó, ou seja, em fantasmas desgraçados que ao longo de delongado tempo seriam reduzidos a nada e votados ao esquecimento. É muito provável que esta visão dos caldeus da vida depois da morte, desesperada e desencantada, seja uma inferência racionalista do século dezanove vitoriano inferida quer por contraste com a exuberância dos cultos funerários, já então vastamente, conhecidos dos egípcios quer por falta de literatura suméria sobre um jardim do éden, literatura esta que noutros campos era estranhamente prolixa e vasta. Poderia pensar-se que, por um qualquer motivo particular contingente ou de génio e mérito próprio a estudar, este povo teria uma confiança bastante na sua ordem social, expressivamente culminada no código de Hamurabi, que não necessitaria de usar do medo dos castigos depois da morte para levar os crentes ao cumprimento dos seus deveres quotidianos na medida em que os castigos a que estes estariam sujeitos nesta vida já seriam suficientes. O certo é que a cultura oriental, desde muito cedo fortemente patriarcal, sempre foi intransigente, rígida e justicialista, de tendência totalitária, hegemónica fanática e imperialista talvez precisamente por ter cortado muito cedo com a tradição matrialcal, tida como volúvel, caprichosa e irracional. Esta visão misógina da realidade feminina não era ainda a da suméria onde as mulheres tinham ainda um papel social importante e a protecção do direito mas acabou por ser a dos babilónicos, precisamente com o triunfo da mitologia de Marduque, reescrita no poema épico da criação, Enuma Elish, o deus que simbolicamente teria vencido a tentativa da deusa mãe para subverter a ordem social facto mítico que mais não seria do que a forma dos caldeus interiorizarem o cataclismo que pós fim à antiga ordem mediterrânica mediada pela talassocracia cretense. De qualquer modo, esta visão paternalista da ordem do mundo teve sempre a característica de privilegiar a eficácia do reforço negativo do castigo em detrimento da aprendizagem pela via do mérito. A civilização começou na escola da cidade que, por falta de identificação arqueológica segura, seria, até prova em contrário, no chão do templo mais próximo.

Um fato se salienta: a escola suméria tinha carácter autoritário. Em termos de disciplina, a palmatória era bastante utilizada. Enquanto que os professores provavelmente incentivavam seus estudantes por elogios e recomendações pelos bons trabalhos, era certo que dependiam da vara para corrigir os erros e as falhas. De Samuel Noah Kramer (History begins in Sumer, 1981, University of Pennsylvania Press, Philadelphia)

Assim, se a história dos severos castigos escolares é um dado seguro a possibilidade de ter havido incentivos que não fossem além da evidente vantagem na ascensão social não passa duma mera hipótese que o realismo e crueza da restante realidade social não confirmam. A palmatória permaneceu em Portugal até meados do século XX e até esta mesma altura o mérito pouco mais papel teve na educação que não fora além da exaltação de com ele se ficar a coberto desses mesmos castigos.

Esta tradição autoritária tipicamente semita, que atingiu o máximo do rigor sanguinário no império assírio, iria passar para o cristianismo e prevalecer na cultura ocidental até ao fim dos imperialismos modernos apesar (e muitas vezes em contradição com o culto mariano e com a doutrina do perdão) do amor divino e da caridade cristã! Na verdade, o paradoxo do exigente altruísmo da moral cristã, que muitas vezes descambou em autoritarismo beato e hipócrita, reside precisamente no ter sido necessário postular o exagero oposto ao egoísmo realista para colocar as sociedades do médio oriente do helenismo nos caminhos duma nova visão da humanidade, mais justa e mais compassiva!

32 E, se amardes aos que vos amam, que recompensa tereis? Também os pecadores amam aos que os amam. 3 E, se fizerdes bem aos que vos fazem bem, que recompensa tereis? Também os pecadores fazem o mesmo. (Lucas 6)

Parece assim que os caldeus não teriam paraíso celeste mas tinham seguramente uma concepção dos infernos que não era muito diferente do Hades helénico, aliás supostamente copiados dos fenícios que partilhavam o essencial da mitologia caldeia.

Toutes les anthropogonies mésopotamiennes expliquent que les dieux ont créé les humains de manière à en faire leurs serviteurs, chargés de leur entretien. De manière concrète, cet entretien passe par le culte qui est rendu aux dieux dans ce qui est considéré comme leur résidence, le temple. Les hommes pieux sont en principe assurés de la bienveillance divine à leur égard. En revanche, quiconque offenserait les dieux se place sous la menace d'une punition divine: maladie, disgrâce, difficultés économiques, etc.

O Kur sumério foi, seguramente o paradigma de todos os infernos subterrâneos deste mundo que nunca foram mais do que prisões perpétuas e submundos obscuros sem lei nem piedade. Se na vida quotidiana dos sumérios prevalecia a lei da pena de talião como lógica justicialista natural onde a escravatura era a regra e a prisão a excepção o sub-mundo dos mortos seria apenas a antecâmara prisional onde as almas se alimentavam de pó antes de acabariam no nada da lenta decomposição natural na medida em que os homens sem vida seriam de pouca utilidade para os deuses.

 “Ai torres da Babilónia, quem lá vai nunca mais torna!”, assim começava uma das versões contos a Branca Flor da minha infância!

Na história de Gilgamesh, a morte é algo a temer como se deduz da indagação extrema de Gilgamesh ao querer aliviar o seu amigo Enkidu das mãos frias da morte e se esta não fosse algo que só podia provocar horror e calafrios Gilgamesh não passado por penosos trabalhos para ajudar o amigo a sair dos infernos.

Outra razão para suspeitar que os Sumérios, e depois todos os semitas que herdaram deles esta ideologia mítica, temiam a morte, tem a ver com a história do dilúvio. Os deuses enfurecidos provocaram o dilúvio apenas porque o barulho dos humanos os incomodavam e apenas por esta fútil razão a raça humana foi miticamente apagada da terra. Isto era a prova de que os deuses eram os senhores da vida e os mestres do jogo fútil da morte onde os humanos não passavam de meros joguetes sujeitos aos caprichos e às birras divinas que a qualquer momento os poderiam destruir com grande vingança.

Muito antes de os homens temerem os deuses terão receado a morte por instinto natural de sobrevivência! E terão temido a morte dos que eram obrigados a matar, guerreiros ou caçadores adversários e animais perigosos, pela lógica intrínseca ao mesmo instinto, a autodefesa e a vingança! Na verdade, à falta de processos éticos de socialização, a vingança é a forma mais lógica de repor a ordem das coisas e o esboço nu e cru do ciúme divino justicialista, fanático e vingador, comum a religiões monoteístas da fase heróica. A sabedoria bíblica de que Abissus abissum invocat (Psal. XLI. Folio VIII.) manifesta uma primeira reflexão sobre a reacção de violência em cadeia que a lei de talião pode gerar na vida social. O direito privado da vingança gerava no íntimo das consciências humanas um ciclo em bola de neve de sentimentos ambivalentes de desejo de vingança, versus medo da retaliação que no caso de morte efectivo de um dos contentores iria continuar a auto alimentar-se com o medo da retaliação do espírito invisível do morto contra o qual os vivos não sabiam como responder! O medo dos espíritos dos inimigos gerou o conceito dos espíritos malignos. O respeito pelo espírito dos antepassados os espíritos familiares e protectores e o dos heróis fundadores terão sido a origem dos deuses. Dar sepultura honrosa aos vencidos e aos mortos em geral seria uma forma de os antigos aliviarem o luto e se protegerem das almas penadas e insepultas que poderiam vingar-se sobre os vivos. Assim se entende que mesmo as culturas que não valorizavam a vida depois da morte tivessem praticado escrupulosamente os ritos funerários. Por um lado para proteger os vivos dos mortos mal-amados por outro para honrar a memoria dos bem queridos!

These graves tell us a good amount of things about Mesopotamian burial habits. In the city of Ur, most people were buried in family graves under their houses (as in Catalhuyuk). Children were put in big jars and were taken to the family chapel. Other people were just buried into common city graveyards. A few people were wrapped in mats and carpets. In most graves some belongings of the people were with them. There were 17 graves with very precious objects in them; it is assumed that these were royal graves.

As primeiras culturas megalíticas começaram muito possivelmente como expressão levada ao paroxismo do desejo dos vivos construírem uma morada para os seus mortos mais queridos. Esta atitude começou seguramente desde os primeiros enterramentos nas cavernas paleolíticas onde se procederam aos primeiros rituais de luto até culminar nas construções tumulares megalíticas do neolítico de que a cultura tumular Egípcia foi a expressão mais monumental e fantástica e o culto de Osíris a maior força do mundo antigo da fé na crença do espírito para além dos mortos gerada por estes cultos de luto colectivo.

Na verdade, os mecanismos naturais do luto quando vivido colectivamente, como seria no caso dos grupos humanos primitivos, começam pela denegação do morto e podiam acabar no delírio dos fantasmas e dos espíritos dos mortos! A primeira denegação costuma durar pouco tempo perante a evidência do corpo morto e a passagem para o delírio fantasmagórico terá sido a regra em quase todas as sociedades pré-históricas de que os semitas herdaram a sua tradição sem a crença na ressurreição.

No entanto, após uso intenso e prolongado dos processos de enterro nos secos desertos do Egipto a mumificação natural terá começado a ser um acontecimento natural frequente. Este facto espantoso terá provocado nos egípcios uma perigosa regressão mnésica colectiva reactualizado a presença do morto já não apenas como fantasma mas como “carne incorrupta” que terá acabado na criação da crença da sobrevivência do morto para além da morte enquanto este permanecesse incorrupto. Se bem o especularam ao associarem a persistência do nome do morto na memória colectiva como condição da sua actualização na consciência colectiva longamente pensaram em encontrar processos artificiais que ajudassem a mumificação natural acabando por inventar a primeira grande indústria funerária da humanidade ao mesmo tempo que criavam para seu suporte ideológico a mitologia da sobrevivência em corpo e alma para além da morte. Com as especulações teológicas em volta da magia e força criativa das palavras pela via do sucesso do diálogo humano e dos discursos religiosos a crença no logos criativo acabaria por desaguar na crença da força do nome escrito como condição de vida eterna. Permanecer para além da morte na memória histórica era para os egípcios mais do que uma metáfora porque, para estes, a essência (ba) era meio caminho andado para a existência (ka) e o nome o seu suporte material.

Obviamente que a constatação de que nem todos os mortos enterrados no deserto estariam a salvo da corrupção natural levou à explicação mítica de que se havia privilegiados seria porque estes teriam sido santos em vida! Esta crença manteve-se na crendice popular do cristianismo até aos dias de hoje do mesmo modo que terão herdado dos egípcios a necessidade de colocarem lápides com os nomes dos mortos mesmo no mais humildes dos enterros.

Isis, en tant qu'épouse d'Osiris, est la déesse associée aux rites funéraires. Après avoir retrouvé treize des quatorze parties du corps de son bien-aimé, assassiné et dépecé par Seth, son frère jaloux, elle lui insufla le soufle de la vie éternelle, et lui donna un fils Horus. Pour pouvoir jouir de la vie éternelle, les Égyptiens avaient besoin de faire conserver intact leur corps et leur nom. Être privé de l'un ou de l'autre était à leurs yeux le châtiment ultime. Le nom d'Akhénaton fut conscencieusement effacé de partout.

Segundo a idiologia mítica do grande negócio funerário dos Egípcios os elementos do indivíduo que sobreviviam à morte do corpo eram:

Ba – unia de perto a corpo –pássaro com cabeça humana que viaja para o submundo – poderia morrer numa segunda morte.

Ka – o ego gêmeo do indivíduo, força vital - memória do defunto, e as representações físicas que serviram manter esta memória activo – ka poderiam morrer uma segunda morte se esquecido.

Rn – o nome (que dava ren-ome!).

Swt – < Sawet, a sombra da pessoa de que ficava a sauda-de.

Hk3 – < He-ker < o car-isma da «figura» (< Ki-kur) pessoal.

Claro de depois de vários milénios de cultos dos mortos que, a partir das culturas peri-mediterrânicas neolíticas, prosperou no Egipto como uma grande industria funerária, tanto pela excelência da sua arquitectura tumular, das pirâmides faraónicas aos cemitérios comuns, quanto nos artesanatos subsidiários da complexa e dispendiosa mumificação, como nos rituais de manutenção e alimentação das almas dos mortos, a mitologia da morte e ressurreição de Osíris e dos vários deuses outros deuses solares de morte e ressurreição pascal que nasceram e se multiplicaram por toda a antiga civilização neolítica servindo-lhe de suporte ideológico, acabaria por se espalhar pelo mundo a crença atávica na sobrevivência para além da morte nas suas mais variadas formas quase sempre testemunhada e garantida por um deus nascido, violentamente morto e ao terceiro dia ressuscitado para a vida eterna.

Every culture has their own explanations for death and the afterlife. The Pythagoras belief of death was somewhat different of that of the people in the world of Gilgamesh. In the Pythagoras' world, death was not something to be afraid of They believed that fictitious stories gave people a fear that should never occur. The Pythagoras' believed that when a physical body dies, the soul within lives on. This soul can wander until it finds a physical body to possess, whether it is one a human or an animal. This will come into play when discussing the role that animals play in life.

Assim, tanto as várias manifestações dos mesmos deuses egípcios que precederam os avateres hindus, muitas vezes por razões de política mítica e boa ordem na complexidade divina dos vários nomos mas também pela teoria de que alguns deuses, particularmente os que iam ganhando mais preponderância entre os crentes, como Osíris, podiam ter vários kas, a teoria da reencarnação iriam fatalmente levar a teologia da reencarnação querida aos Hindus precisamente porque primeiro sistematizaram a teoria teológica dos avatares.

Considered the symbol of perfection, the Ka was the essence of Re; some gods could possess several Kas, which were directly bound to the essential qualities: Life, health, radiance, nobility, intelligence, creativity, success, the perception of the senses, stability, resistance to illness, and the arts of nutrition and of aging. -- The presence of Monotheism in the Egyptian religion, Author Jean-Claude Brinette

A transmigração das almas ou metempsicose é uma teoria diferente da reencarnação, seguida por alguns adeptos de ensinamentos místicos orientais, que propõe que o homem pode reencarnar de modo não-progressivo em animais, plantas ou minerais. Esta teoria não é aceita pelos adeptos da reencarnação, em ensinamentos religiosos ou esotéricos, e é considerada incompatível com o conceito de evolução por vidas sucessivas.

Esta teoria só não terá vingado no ocidente por percalço de política palaciana fútil, inconsistente e contraditória.

O Concílio de Constantinopla – 553 D.C. Vivaldo J. de Araújo: Até meados do século VI, todo o Cristianismo aceitava a Reencarnação que a cultura religiosa oriental já proclamava, milênios antes da era cristã, como fato incontestável, norteador dos princípios da Justiça Divina, que sempre dá oportunidade ao homem para rever seus erros e recomeçar o trabalho de sua regeneração, em nova existência.

Aconteceu, porém, que o segundo Concílio de Constantinopla, atual Istambul, na Turquia, em decisão política, para atender exigências do Império Bizantino, resolveu abolir tal convicção, cientificamente (???) justificada, substituindo-a pela ressurreição, que contraria todos os princípios da ciência, pois admite a volta do ser, por ocasião de um suposto juízo final, no mesmo corpo já desintegrado em todos os seus elementos constitutivos.

É que Teodora, esposa do famoso Imperador Justiniano, escravocrata desumana e muito preconceituosa, temia retornar ao mundo, na pele de uma escrava negra e, por isso, desencadeou uma forte pressão sobre o papa da época, Virgílio, que subira ao poder através da criminosa intervenção do general Belisário, para quem os desejos de Teodora eram lei.

E assim, o Concílio realizado em Constantinopla, no ano de 553 D.C, resolveu rejeitar todo o pensamento de Orígenes de Alexandria, um dos maiores Teólogos que a Humanidade tem conhecimento. As decisões do Concílio condenaram, inclusive, a reencarnação admitida pelo próprio Cristo, em várias passagens do Evangelho, sobretudo quando identificou em João Batista o Espírito do profeta Elias, falecido séculos antes, e que deveria voltar como precursor do Messias ( Mateus 11:14 e Malaquias 4:5 ).

Agindo dessa maneira, como se fosse soberana em suas decisões, a assembléia dos bispos, reunidos no Segundo Concílio de Constantinopla, houve por bem afirmar que reencarnação não existe, tal como aconteceu na reunião dos vaga-lumes, conforme narração do ilustre filósofo e pensador cristão, Huberto Rohden, em seu livro " Alegorias ", segundo a qual, os pirilampos aclamaram a seguinte sentença, ditada por seu Chefe D. Sapiêncio, em suntuoso trono dentro da mata, na calada da noite: " Não há nada mais luminoso que nossos faróis, por isso não passa de mentira essa história da existência do Sol, inventada pelos que pretendem diminuir o nosso valor fosforescente ".

E os vaga-lumes dizendo amém, amém, ao supremo chefe, continuaram a vagar nas trevas, com suas luzinhas mortiças e talvez pensando - " se havia a tal coisa chamada Sol, deve agora ter morrido ". É o que deve ter acontecido com Teodora: ao invés de fazer sua reforma íntima e praticar o bem para merecer um melhor destino no futuro, preferiu continuar na ilusão de se poder fugir da verdade, só porque esta fora contestada pelos deuses do Olimpo, reunidos em majestoso conclave.

A teoria da reencarnação sempre foi postulável à luz do novo testamento quanto quanto mais não fosse por interpretação gnóstica do mais gnóstico de todos os evangelhos, o de S. João.

14 E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade; e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai.

15 João deu testemunho dele, e clamou, dizendo: Este é aquele de quem eu disse: O que vem depois de mim, passou adiante de mim; porque antes de mim ele já existia. (João)

Se a presença de Moisés e Elias na transfiguração pode ser interpretada como pressupondo a sua ressurreição em corpo e alma o facto de haver referencias nos evangelhos de que Jesus era tido como um novo João Baptista ao mesmo Elias ou Moisés ou qualquer outro dos profetas prova que a crença na reencarnação era espontaneamente popular entre os judeus.

Diz Manasses Ben Israel em um de seus livros: “A crença ou doutrina da Reencarnação, da transmigração das almas, é firme e infalível dogma aceite por toda a assembleia da nossa igreja, unanimente, de forma que nada exista que ouse negar isso. Na verdade, há um grande número de sábios, em Israel, que adere a essa doutrina, fazendo dela um dogma, um ponto fundamental da nossa religião. Estamos por tanto, no dever estricto de obedecer e aceitar esse dogma com aclamação, pois a verdade dele foi demonstrada, incontestavelmente, pelo Zohar e por todos os cabalistas”.

Assim, das várias crenças sobre a vida para além da morte disponíveis no tempo de Jesus a reencarnação, que iria ter na transmigração das almas uma variante asiática, a mais disparatadas será a da ressurreição física após uma morte efectiva equivalente à que fosse actualmente diagnosticável com devida a paragem cardio-respiratória irreversível com morte cerebral. Na verdade, no meio de todas estas especulações passou seguramente sempre o fenómeno naturalíssimo da “morte aparente” que, em tempos sem medicina de cabeceira nem serviços nacionais de saúde, seria tanto mais comum quanto o seriam as mortes mal diagnosticadas.

 

O COMPROMISSO GNÓSTICO DE S. JOÃO

Já, a este respeito, a posição de S. João parece ser ambígua. Por um alado parece ter entendido que Jesus pós ressurrecto ainda tinha as fragilidades que seriam de esperar em quem tinha acabado de sofrer o suplício da cruz:

João 20 17 Disse-lhe Jesus: Não me toques, porque ainda não subi para meu Pai, mas vai para meus irmãos e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.

Why not? Is he a bundle of electricity, a dynamo, that if she touches him, she might get electrocuted? No! "Touch me not!", because it would hurt. Though he appears normal to all intents and purposes, he had, nevertheless, been through a violent, physical and emotional ordeal. It would be excruciatingly painful if he allowed her any enthusiastic contact. Jesus continues: "For I am not yet ASCENDED unto my Father." (HOLY BIBLE) John 20:17 She is not blind. She can see the man standing there before her. What does he mean by "not yet ascended" — GONE UP — when he was DOWN right there? He is, in fact, telling her that he is not RESURRECTED from the DEAD. In the language of the Jew, in the idiom of the Jew, he is saying: "I AM NOT DEAD YETl" — He is saying: "I AM ALIVE!" "And they (the disciples), when they heard that he was ALIVE, and had been seen by her (Mary Magdalene),they BELIEVED NOT."

Mas logo adiante João descreve Jesus pós ressurrecto com a natureza dum ectoplasma assumindo uma teologia semi-gnóstica sobre a substância mística do corpus cristi como intermédia entre o espirito que atravessa paredes de portas fechadas e a dum corpo material que pode ser tocado, mostrar ferimentos e comer como qualquer ser vivo!

19 Chegada, pois, a tarde daquele dia, o primeiro da semana, e cerradas as portas onde os discípulos, com medo dos judeus, se tinham ajuntado, chegou Jesus, e pôs-se no meio, e disse-lhes: Paz seja convosco! 20 E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. (...) 22 E, havendo dito isso, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. (...). 24 Ora, Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. 25 Disseram-lhe, pois, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele disse-lhes: Se eu não vir o sinal dos cravos em suas mãos, e não puser o dedo no lugar dos cravos, e não puser a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei. 26 E, oito dias depois, estavam outra vez os seus discípulos dentro, e, com eles, Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco! 27 Depois, disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente. 28 Tomé respondeu e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! 29 Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram!

 

3 A RESSURREIÇÃO CURATIVA

A visão puramente espiritual e ritualista da missão sacerdotal com que os cristãos se conformaram, sobretudo a partir da idade média, pode ter sido devida ao helenismo de S. Paulo. Porém, lendo o mais clerical dos evangelhos ficamos a saber que a par da pregação do “reino de Deus”, que mais não seria que o projecto messiânico que os essénicos teorizavam desde a época dos Macabeus, Jesus, o terapeuta, complementava a missão teológica desta acção missionária dos apóstolos, de quase de intervenção política e social, com um conteúdo mais pragmático que envolvia actividades terapêuticas globais, tanto sobre as doenças da alma como, do corpo.

Mateus, 10: 1 E, chamando os seus doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para os expulsarem e para curarem toda enfermidade e todo mal.

Ora, o interessante é que mais adiante, Jesus inclui neste leque de terapêuticas holísticas a “ressurreição dos mortos”. Assim, que o conceito de ressurreição usado por Jesus não poderia ter a conotação transcendental e sobrenatural que veio a ter na economia dogmática da teologia cristã demonstram-no os próprios evangelhos pois verificamos que em Mateus a capacidade para ressuscitar os mortos foi dada por Jesus aos seus apóstolos bem antes da sua própria ressurreição.

Mateus, 10: 7 e, indo, pregai, dizendo: É chegado o Reino dos céus. 8 Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demónios; de graça recebestes, de graça dai.

Então, se os discípulos de Jesus estavam preparados para praticarem em seu nome além da medicina geral uma forma de psiquiatria e um esboço de dermatologia devemos entender que também estariam adestrados em técnicas rudimentares de socorrismo com vista à “ressurreição dos mortos” porque, ainda hoje, a parte mais apelativa de todas as intervenções médicas de urgência é a reanimação. Sendo, na época, elevada a prevalência de “mortes aparentes”, a “ressurreição dos mortos” pela via da reanimação, se bem que espectaculares e arriscados, nem sequer seriam milagres assim tão difíceis de alcançar! A ressurreição de Jesus tornou-se um facto sobrenatural porque o triunfo sobre a odiosa cruz, que simbolizava o domínio romano, resultou duma transfiguração mística e religiosa da faceta política do messianismo judaico.

Marcos Cap. 16: 14 Finalmente apareceu aos onze, estando eles assentados juntamente, e lançou-lhes em rosto a sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem crido nos que o tinham visto já ressuscitado.

15 E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura. 16 Quem crer e for baptizado será salvo; mas quem não crer será condenado. 17 E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome, expulsarão demónios; falarão novas línguas; 18 pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e imporão as mãos sobre os enfermos e os curarão.

19 Ora, o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu e assentou-se à direita de Deus. 20 E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram. Amém!



[1] “They (the Jews) said in boast “We killed Christ Jesus the son of Mary”. But they killed him not, nor crucified him, but so it was made to appear to them…for a surety they killed him not” (4.157).

[2] "E por causa do que eles disseram (de vangloria): “Matamos o Messias” Eesa (Jesus), filho de Maryam (Maria), o Mensageiro de Allah” - mas eles não o mataram, nem o crucificaram, mas parecia-lhe isso pois a semelhança de 'Eesa (Jesus) foi colocada sobre outro homem (e eles mataram aquele homem)], e aqueles que diferem nisto estão cheios de dúvidas. Eles não têm conhecimento (certo), eles seguem nada além de conjecturas. eles não o mataram [ie 'Eesa (Jesus), filho de Maryam (Maria)]: Mas Deus o criou ['Eesa (Jesus)] (com seu corpo e alma) para Si mesmo (e ele está nos céus). E Deus é Todo Poderoso, Todo Sábio. "[al-Nisaa’ 4:157-158].

[3] Raphael, Simcha Paull (2009). Jewish Views of the Afterlife (second edition). Rowman & Littlefield Publishers, Inc., p. 140.

[4] Babylonian Talmud: Berakoth.

[5] Raphael, Simcha Paull (2009). Jewish Views of the Afterlife (second edition). Rowman & Littlefield Publishers, Inc., p. 140.

[6] http://www.cursilho.org.br/historico.php.


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